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Do humor ao daime

Glauco pode até dispensar apresentações, no entanto aqui está um pequeno perfil sobre o cartunista e uma descrição dos passos mais marcantes de sua carreira

 

Glauco é lembrado com devoção. Cativante, bem-humorado e atencioso, era também desleixado, distraído, atrasado – adjetivos que reforçam sua incompatibilidade com a vida ordinária na terra.

 

O desenho e o humor vieram da mãe, Maria Aparecida Vilas Boas, dona Cidu. O irmão, César Augusto Vilas Boas, o Pelicano – o primeiro cartunista da família –, conta que ela era uma desenhista espirituosa e de traço rápido.

 

Assim como dona Cidu fazia desenhos e rimas para os filhos – até em papel higiênico –, Glauco mandava mensagens divertidas, desde carta para a sobrinha recém-nascida até caricaturas para os editores do jornal.

 

Começou a carreira profissional em 1976, em Ribeirão Preto (SP). Já na capital paulista, morou com o cartunista Henfil, de quem ganhou o apelido de Doril, porque perdia tudo: documentos, chave da casa...

 

Em 1985 se tornou pai de dois filhos, de mães distintas, nascidos com poucos dias de diferença: Raoni e Ipojucã. Essa é uma das coincidências que marcam sua lembrança.

 

O lado espiritual potente o ajudou a fundar, em 1997, em Osasco (SP), a igreja Céu de Maria, ligada ao culto do santo-daime. Levou para a religião praticamente todos os familiares e esteve à frente do Céu de Maria até a morte.

 

Passo a passo na carreira do cartunista

Wellington Srbek, autor e pesquisador de quadrinhos, graduado em história e doutor em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pontua alguns dos passos mais marcantes do trabalho de Glauco:

 

1. Em fins dos anos 1970, saltava aos olhos a influência de Henfil nos trabalhos de Glauco. Personagens inquietos, de pernas finas, dedos espetados, olhos e bocas em aberto. Figuras rascunhadas em um acaso bastante estudado, sempre em busca da comunicação direta com o público.

 

2. Quem vê as premiadas HQs do primeiro Glauco vê obras de um teor político explícito, de um traço veloz e até mesmo feroz. Eram tempos de ditadura, e o desenho do cartunista refletia aquela atmosfera pesada. Ainda assim, já era um desenho que mostrava querer respirar.

 

3. Foi nos anos 1980 que Glauco encontrou seu traço próprio, quando o país começava a experimentar ares mais livres e leves. Continuava presente a crítica política, especialmente nas charges. Mas seria nas tiras, com a crônica de costumes, que Glauco se sentiria realmente em casa.

 

4. Não é comum um personagem passar peladão pela tirinha, com bebidas nas mãos, cigarros na boca e seringas espetadas no corpo. Nem ter diálogos sexuais com uma boneca inflável ou com sua mãe. Mas foi assim, num traço de cartum cativante, que Glauco e Geraldão desafiaram tabus.

 

5. Em nada mítico como um deus hindu ou idealizado como o Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, o Geraldão de Glauco também surge com múltiplos braços e pernas. Uma síntese visual, símbolo da pressa, da ansiedade, da fome de vida, a nos lembrar que o tempo não para.

 

6. Com seu estilo dinâmico, inventado para a impressão em P&B, Glauco nem sempre ligava todos os pontos; geralmente não traçava por inteiro linhas de contorno. Quando se trata de um desenho que não se contém, preencher com cores pode ser um desafio e tanto.

 

7. Dar cor a uma tira de Glauco não é só o trabalho técnico de selecionar áreas para ser coloridas. É antes a escolha de tons que acompanhem o estilo. Tons que podem tanto ser leves quanto berrantes, combinando com a fluidez do traço ou com a força cinética do desenho.

 

8. Os balões de fala e pensamento dizem muito sobre personagens e seus criadores. Mas nada nos fala mais diretamente que um estilo próprio. Como o de Glauco, com seus pequenos personagens cartunísticos de braços e pernas multiplicados, marca registrada do autor.

 

[Texto produzido pelo Núcleo de Comunicação do Itaú Cultural para a sua publicação e hotsite]

 

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