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depoimentos

Cara do futuro, força da natureza e de estilo próprio

A viúva do artista, Beatriz Veniss, o editor Toninho Mendes e o pesquisador de quadrinhos Wellington Srbek, falam sobre a sua relação direta, ou indireta, sobre o cartunista

 

Um cara do futuro

Conheci o Glauco em março de 1995. Fui tomar daime na casa dele e a minha primeira impressão foi: esse cara é muito louco. Tinha gente de todos os tipos lá, de trombadinha a empresário. Quando acabou a sessão eu entendi que ele era um cara do futuro, um visionário, dono de um coração enorme e de um profundo respeito pelo ser humano. Em junho do mesmo ano nos casamos – e passamos 15 anos juntos, os melhores da minha vida.

 

Glauco tinha uma mente supersofisticada – sempre acreditou em um mundo melhor – e usava as plantas de poder para expandir a consciência e obter conhecimento. Com certeza ele sabia muita coisa, mas não gostava de dizer; tinha a sabedoria de não parecer sábio. E disso surgiu o chefe espiritual cartunista, que dizia: “Deus é humorista. Olha cada figurinha que tem em cima da terra!”. Ele acreditava que a alegria era sempre o melhor remédio.

 

Passou aqui na terra como um verdadeiro professor, ajudou muita gente e deixou uma obra artística com um estilo único, além de um legado de muito respeito, muita admiração, e uma saudade imensa.

 

 Beatriz Veniss

[Companheira do cartunista e sua parceira no Céu de Maria]

 

 

Uma força da natureza

Foi na Circo Editorial, entre 1984 e 1995, meu maior período de convivência com o Glauco, quando editamos os 10 primeiros números da revista Geraldão e os livros Geraldão Espocando a Cilibina e Abobrinhas da Brasilônia. Trabalhávamos na redação da editora, onde ele desenhava as histórias e resolvíamos o conteúdo da revista. Nesse ambiente foram produzidas as dez edições, que surgiram das histórias longas de seus personagens.

 

A proximidade no cotidiano permitiu que descobríssemos o quanto tínhamos em comum e a grande afinidade em relação às regras estabelecidas: como não havia regras em nossa existência, nunca nos preocupamos em contrariá-las, mas por instinto e índole éramos do contra. Partilhávamos também de afinidades espirituais e de uma convicção natural no sobrenatural e nas realidades paralelas e invisíveis. Isso nos aproximou ainda mais nesse e nos outros universos que concebíamos.

 

Assim como Van Gogh, Garrincha e John Lennon, o Glauco era uma força da natureza, um cometa que passou por aqui. E essa força da

 

 

natureza, desconcertante e presente em todo o seu legado artístico e espiritual, permanece entre nós que por aqui ainda estamos.

 

Toninho Mendes

[Editor famoso por criar a famosa revista humorística

Chiclete com Banana, lançada pelo seu selo Circo Editorial em 1985]

 

Nada é mais direto que um estilo próprio

Na primeira metade dos anos 1990, meu avô fazia a assinatura de um jornal local que, como a maioria dos jornais da época, trazia meia página repleta de tirinhas. A coluna de tiras era basicamente tudo o que eu lia no periódico, e minhas séries favoritas eram recortadas e guardadas. Entre as tiras colecionadas diariamente estava Geraldão, estrelada pelo personagem mais icônico de Glauco Vilas Boas.

 

Um dos muitos cartunistas de sua geração influenciados pelo “traço caligráfico” de Henfil, algo evidente na simplificação dos cenários e no desenho cinético dos personagens, o tímido Glauco desenvolveu, é claro, um traço próprio. E pessoal. E ansioso. E incontido. E cativante. Um estilo que reforça uma das convenções das tiras e das HQs: a ilusão de movimento que se tem na passagem de um quadro a outro. Afinal, nos desenhos de Glauco, essa sensação costuma ser incessante, com braços e pernas de personagens se multiplicando num mesmo quadro.

 

Seriam imagens em si absurdas, pois humanos não têm três ou quatro pernas, braços e outros membros. Mas, na verdade, o que Glauco nos traz com sua brincadeira visual é um desenho poderosamente comunicativo. Um desenho sempre em movimento. Um desenho que está vivo.

 

Wellington Srbek

[Autor e pesquisador de quadrinhos, graduado em história

e doutor em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)]

 

[Depoimentos colhidos pelo Núcleo de Comunicação do Itaú Cultural para a sua publicação e hotsite]

 

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